segunda-feira, 28 de junho de 2010

Nihilismos

Quem nunca ouviu a frase "nada tem sentido" ou "tudo é relativo" em meio a uma discussão sobre algo, transformando todos os argumentos e idéias em um monte de pó, travando não apenas o debate, mas o próprio uso do intelecto para toda possibilidade de se entender algo?

Pior, a inexistência do sentido é algo que considero certo, assim como uma grande parcela de pessoas mais intelectualizadas. Então o que fazer? Parar de pensar sobre questões mais complexas e se manter na mais pura superficialidade? Mudar minha forma de pensar e começar a crer numa verdade universal? Há alguma outra saída para esta armadilha?

Inicialmente acho importante ressaltar uma motivação e uma impostura que andam juntas no uso destas frases muito batidas. É comum que quem as diga o faça para por um ponto final numa discussão, seja por que cansou de pensar, seja porque considera que é impossível chegar a um acordo. Assim a frase caí como uma pedra que sepulta um debate já enfadonho. Mas, ao mesmo tempo, a pessoa que afirma isso age literalmente como hipócrita - quem diz uma coisa e faz outra - pois continua, em outros assuntos, a lançar afirmações sobre como as coisas são ou deveriam ser, assim como não começa a fazer coisas sem sentido que seriam naturais num mundo sem absolutamente nenhum sentido.

Ora, ninguém para de beber sua cerveja e começa a mastigar o copo ingerindo cacos de vidro, ou plantar bananeira em cima da mesa, cantando músicas em aramaico, ou coisas "sem sentido" como poderíamos esperar num mundo onde tudo e relativo, em que tanto faz uma coisa ou outra seja lá o que for.

Numa construção mental posso dizer que há 3 tipos de nihilismo: o primeiro que só pode existir no mundo das idéias é aquele em que o sujeito, além de afirmar categoricamente que não há sentido em nada, age da mesma forma, aplicando a aleatoriedade como forma de vida. Tal sujeito não poderia existir por muito tempo, pois não encararia coisas como alimentação e cuidado de si como necessárias e talvez se jogasse de uma janela achando que pode voar, pararia de comer, ou algo assim "sem sentido".

Bem, como quem diz "nada tem sentido" continua vivo e agindo como uma pessoa normal, fica claro que há contradição no pensar e no agir, que seria um segundo tipo de nihilismo, o nihilismo como "malandragem", usado como arma, rota de fuga, ou qualquer coisa que sirva para levar uma vantagem pessoal em uma situação problema.

Um último tipo seria aquele em que se aceita a inexistência de sentido no mundo, mas no mundo-em-si, ou seja, as coisas e a vida não podem produzir um sentido por elas mesmas, não há um sentido ancestral que foi dado antes do mundo, desígnios ou destino a que todos concorrem. Uma coisa não é nada até que alguém lhe dê um nome e a insira dentro de um discurso, mas no momento em que há sujeitos que organizam as coisas, o sentido começa a aparecer também, como criação humana. 

Nada tem sentido em si mesmo, mas as pessoas produzem sentidos para as coisas e é esse sentido construído que nós podemos discutir e avaliar intelectualmente.

Todos os dias enchemos nosso mundo mudo de sentidos, de idéias, pensamos sobre ele, avaliamos, tomamos decisões, interagimos com outras formas de sentido dado por outros grupos de pessoas. Isto é uma realidade da qual ninguém se furta, deixar de agir assim seria, como já exposto, agir aleatoriamente a cada segundo. 

Para complementar, quando se diz que "tudo é relativo" dificilmente se compreende que o uso do "relativo" precisa de um complemento, "relativo a quê?". Não é uma abertura absoluta do "tanto faz", mas uma afirmação poderosa para se entender o contexto em que a coisa se encontra; é a impossibilidade de se falar de algo apenas no mundo da abstração, forçando a ancoragem do assunto com todas as coisas em torno dele; mais que uma abertura a todas as possibilidades é a necessidade de se falar com mais conhecimento de tudo que está conectado ao assunto. Portanto, não é para se desistir do debate, mas pelo contrário, é um chamado ao aprofundamento e de um maior rigor, sem contudo acreditar chegar num ponto final universal.


Contudo, a produção de sentido se dá mais num nível político do que intelectual, portanto, é na vitória de uma idéia seja lá por qual meio que constrói-se a realidade...quem souber entender, que entenda.